Amores Confusos

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uma observadora

Friday, December 01, 2006

A AMANTE

26 de Dezembro. Ela devia ter mais ou menos uns 25 anos, não dava pra ver direito pois o orelhão encobria sua cabeça, apenas deixava vislumbrar o seu jaquetão da Nike e sua calça jeans desbotada. Eram 2:17 h da manhã do dia 27 de dezembro, chovia bastante, o suficiente para qualquer um ficar em casa. Menos ela e a fiel escudeira que, assiste, bastante ansiosa a briga da amiga com o amante pelo telefone público. Não somente o telefone era público, a briga dos dois também.

Todo o prédio, que ainda não dormia, escutou e vislumbrou por entre persianas mal abertas a discussão. Afinal ela não fazia questão de esconder sua situação de amante para ninguém. Estava com ele há seis anos, fez questão de frisar no telefonema. Dizia que havia perdido a juventude dela com ele. Será que perdeu mesmo? O que leva alguém a ficar com outro durante seis anos sabendo de sua situação de casado?

Mas ele dizia que não suportava mais a esposa, que ela era frígida, gorda e desinteressante. E ela acreditou! Acreditou nas mentiras de cama que os homens contam. Oh como era inocente!

Imagino quantas promessas ele fez e como ela fazia questão de acreditar em cada uma delas, quantas vezes revirou os olhos e suspirou , perdendo o fôlego nas noites de amor e sexo oferecidas por ele. Discutia ao telefone com uma voz pueril, quase inocente. Mas o que tem de inocente em alguém que se arrisca em um relacionamento com outro casado?

Ela esbravejava: ah e porque foste falar com minha mãe? O que tu tinhas de dizer pra ela que eu fumo maconha? Ah é! Pois só te digo que não tinhas nada que te meter, agora se ela me botar pra fora de casa eu vou pra tua casa! Eu vou morar aí contigo! Dane-se a tua esposa, tu achas que ela não sabe da gente? Tu achas que ela não sabe onde dormiste no Natal! Porque estás falando baixo? Ah ela ta aí do teu lado? Então melhor porque ela já escuta tudo que eu tenho pra dizer! Pelo menos o que eu tenho pra dizer não é nada perto das ameaças que tu me fizeste! Ah tu ficaste com raiva é? Sabe o que é isso? Tu traíste durante tanto tempo tua mulher que agora tu tens medo de ser corno. Pois tu vais ser corno! Eu vou te colocar chifre sim! Não tinhas nada que fazer escândalo com minha mãe. Não tinhas nada que dizer pra ela. Ah é! Puta Merda! Eu perdi minha juventude contigo, estou a seis anos contigo. Quando vais deixar ela? Se quisesse mesmo já tinha deixado ela. Sabe porque que não deixas? Por que é ela que te sustenta! Pensas que eu não sei que é ela que te dá dinheiro? E depois vens dá um real pra pobrezinha aqui poder comprar pão.

A amiga aflitíssima olhava para um lado e para o outro da rua, afinal era madrugada e nestas ruas sem segurança uma transtornada amiga discutindo a plenos pulmões com o amante deve estar chamando a atenção de meio mundo, apesar de ela não ver ninguém, ou melhor via, dois rapazes encostados no carro do outro lado da rua, virados na direção das duas, rindo da pobre mocinha infeliz que havia perdido a juventude com um homem casado.

De minha janela podia vislumbrar a cena, e pensava, vai acabar em choro este telefonema, no mínimo ela pedindo desculpas pra ele.

Ah é! Melhor do que te ter me ameaçando de morte com arma na cabeça. Estás pensando o que? Ele é meu amigo, não é nada além disso. Queres me matar, vem me matar agora? Vou já dizer pra tua mulher quem tu és, é assim que tu tratas ela? É ?!? Legal! tu vais ser corno, eu vou te meter chifre. Vem me matar! Ah quer dizer que é só porque eu tava na rua e tu não gostou? Tá bom! Tá bom! Hum rum! Hum rum! Tá! Tá!

Meia hora de silêncio ensurdecedor. Ela nada fala, só escuta, escuta, escuta.

Ele usa sua performance masculina, sua lábia invejável e bastante prolixa. Ela só faz hum rum! Depois de algum tempo nem isso.

Ele a está ganhando novamente. Ela continuará dele por mais seis anos.

De repente, Ok, te amo também!

Então tá! Te espero amanhã então. Ela escutou? Quero você pra mim! Te espero amanhã. Beijos. Te Amo! Te Amo! Te Amo!

Fico imaginando ele em casa. Na pior das hipóteses a mulher realmente deve ter escutado o telefonema. Ele desliga, vira pra ela e diz, querida eu te amo, você sabe que esse caso acabou, mas ela não está me deixando em paz, ela tem fixação em mim. Assim que amanhecer o dia vou registrar uma ocorrência contra essa doida. Você ainda é a mulher que eu quero, é com você que quero ficar. Você acredita que eu te trocaria por uma doida dessas? Eu a estava ajudando por causa das drogas, ela desenvolveu fixação em mim. Acredita que eu sou o homem da vida dela. Tentei tirar isso da cabeça dela por bem, mas agora chega. Vou na polícia!

Mentiras! Mentiras! Mentiras! Mas tanto a mulher quanto a amante vão acreditar no que ele quiser, as duas amam o mesmo homem. As duas querem algo pela metade que ele pode oferecer a cada uma. Metade da metade da laranja, porque a única metade inteira é ele. E o máximo que ele divide é a metade podre que cada uma tem sede de ter e possuir.

Mentiras! Ele mente e elas irão amá-lo cada vez mais.

Quem foi mesmo que disse que o amor é uma arte, uma arte de enganar-se mutuamente?

E a amante foi satisfeita pra casa, e a amiga e fiel escudeira que a tudo presenciou deve estar se sentindo a idiota da história. Imagina pegar chuva pra não deixar a amiga sozinha, acreditando que ela porá fim ao romance insólito. E toda a raiva e vontade de terminar, termina em Eu Te Amo! Ta bom, te espero amanhã!

Esta se não for tão sem vergonha, nunca mais acompanhará a amiga nos telefonemas durante a madrugada. Afinal não adianta nada mesmo. Deve estar se sentindo a imbecil da história. A outra dorme com a certeza do amor do amante e ela vai dormir com raiva e encharcada. Rezemos pra que não pegue uma gripe ou pior, uma pneumonia. Aí seria realmente trágico que o romance de uma destruísse a saúde da outra, que nem gozou nem revirou os olhos.

Nelson Rodrigues diria... A vida como ela É!

Outros diriam, o amor é a arte de enganar-se mutuamente.

E você o que diz ?

Por Izd Sun Ril
26/12/2005